9/28/2006

Só espero que não seja até sempre....

Umbigos, umbigos, umbigos. Acima: umbigo!Abaixo:umbigo!Eu olho pro meu , mas e você ? Olha ou só olha pro seu ?.
Ela era meiga, doce e rica . No seu quarto havia um computador branco e uma cortina rosa. Uma parede branca , e uma rosa. Roupas brancas e rosas. Ela era branquinha e tinha bochechas rosadas: Linda !
Sua família gostava de Bossa Nova, Van Gogh, teatro, ópera e missa. Se ela tinha empregados? Muitos...Empregados que a viram crescer e viver nas quatro paredes do seu quarto. Na verdade, ela quase nunca saía de lá.
Como nós enxergamos o mundo que nos cerca ?Na verdade, ninguém enxerga nada...Ah claro, mil desculpas: faltaram os umbigos! Umbigos limpos, umbigos brancos, umbigos com jóias. São tantos que não se sabe qual o mais bonito ou o mais feliz. É, os médicos tem razão, nós enxergamos umbigos.
Sim, Maria Clara tinha um umbigo. Ele era branco, tinha uma jóia (rosa) que era trocada toda semana e lustrada com álcool gel pela filha da governanta. Nossa, que jóias!
O nome da menina, Maria Clara não sabia. Quantos anos ela tinha, não sei . A única coisa que a princesinha sabia é que seu umbigo brilhava.
Que maravilha é chegar à conclusão de que não somos cegos. Mas se nós, seres humanos dotados de “olhos enxergantes”, enxergamos...Como é mesmo o umbigo da filha da governanta?Meu deus, socorro!Somos cegos? Não, biologicamente: enxergamos!
Foi assim, diante dessa indagação que eu resolvi procurar Maria Clara. Foi difícil achar a porta certa, o quarto certo, mas eu a encontrei. Vendo aquelas bochechas rosadas assim, tão perto se mim, veio a decepção: ELA NÃO SABIA!!! Enquanto a filha da governanta lustrava suas jóias, elas escovava os cabelos, nunca tinha prestado atenção na jovem que a acompanhava na difícil tarefa de enfeitar seu umbigo.
Então, ainda mais confusa, eu procurei a filha da governanta. Não havia jeito, eu precisava encará-la . Sem nome, sem endereço, sem cor, sem umbigo...Mesmo assim eu a encontrei e percebi que ela chorava todos os dias, mais Maria Clara não percebia. Percebi que ela usava roupas pretas e brancas todos os dia, mas Maria Clara não percebia. Percebi que ela falava todos os dias, gritava todos os dias, estava presente todos os dias... mas Maria Clara não a via .
Por que a filha da governanta chorava ?Na verdade era porque ela enxergava. Enxergava o umbigo enfeitado e logo depois enxergava o seu: negro, sujo, considerado um problema. Para ela, nada de álcool nem de jóias, apenas lágrimas.
Até quando vamos nos pentear enquanto os outros choram ?Até quando as jóias vão ser caras a ponto de não enferrujarem com as lágrimas de quem as lustra ?Até quando...Até quando...
É na falta de coragem que residem os olhos abertos e nos olhos fechados que brilha a força. Foi no escuro que eu enxerguei a qualificação do considerado desqualificado. Foi com os olhos fechados que eu descobri que enquanto o mundo gira, nós apenas giramos com ele. Não o vemos girar, não reparamos na velocidade, na beleza, nos detalhes do giro, apenas descansamos quando não queremos mais girar. Em vez de olhar, sonhamos e , enquanto isso, o mundo gira ...E nós apenas giramos com ele.Até quando? Só espero que não seja...Até sempre.