12/19/2006

Você tem fome de que?

Quando chegou o meio-dia, a aula perdeu a importância. Foi diante desta situação que resolvi entender o que meu estômago me dizia todos os dias.
Comecei a desviar a atenção dos roncos e dos gemidos e a tentar acreditar que a minha fome era um fator psicológico, mas a definição dada pelo Código Alimentar Argentino não me saía da cabeça. Esses argentinos, sempre eles.
À medida que o tempo passava, meus pensamentos se tornavam cada vez mais trágicos.Depois de lutar com o tal Código Alimentar, ele me convenceu do caráter biológico da fome e, apesar de ter conseguido afastar aquela definição dos meus pensamentos, outra tragédia passou a me consumir os miolos: seria esse o desespero das filhas de Karl Marx quando a morte lhes veio acalmar o estômago?Está bem, confesso que isso é um pouco exagerado demais.
A aula acabou às 12h50, mas meu desespero seguiu seu curso. Enquanto esperava para ir para casa, estudantes se debruçavam sobre pratos muito bem arrumados e sobremesas que faziam a boca suar.
Minha atenção se deteve numa menina pequena e magrinha que parecia escalar uma montanha de bifes, batatas fritas e muitas outras delícias gastronômicas. Foi um empadão de massa folhada o meu objeto de desejo: enquanto ela fechava os olhos de tanto prazer, eu arregalava os meus, em busca de socorro. Neste momento, eu desejei que Claude Gallé, “O Lourenzo”, tivesse pulado a sua fase de pasteleiro e tivesse se dedicado apenas às pinturas.
Não resisti. Corri para o restaurante a quilo e me entreguei ao pecado da gula. Na fila, eu olhava ao redor e percebi que não havia mais cadeiras disponíveis, apenas mesas. Quando pensei em desistir, lembrei-me dos gregos e dos romanos de antigamente . Como os ocidentais são bestas, pra que comer sentado?
Sabendo que eu não podia fracassar, continuei a minha jornada. Ainda na fila (que já me angustiava por não terminar nunca), percebi que não havia mais garfos na cesta. Céus, não podia ser! Mais uma vez me prendi à história, e novamente ela me salvou do fracasso. Era só imaginar que o mundo ainda não havia passado pela Peste Negra! Solução brilhante.
A esta altura, as pessoas da fila já me olhavam de forma exageradamente curiosa. Foi por isso que elas perceberam a minha decepção quando percebi que o tão esperado empadão de massa folhada havia acabado.
Essa era demais para minha cabeça. Sem garfo tudo bem, sem cadeira tudo bem, mas sem empadão de massa folhada?Droga, não havia o que fazer.
Desolada, continuei esperando naquela fila interminável. A alegria só voltou a me esquentar o sangue quando escolhi uma enorme fatia de torta de chocolate para sobremesa . Coitada da Catarina de Médici, será que ela não percebeu que fundos de alcachofra não chegam aos pés de uma torta de chocolate? Ainda bem que essa graça eu alcancei.
Quando terminei o ritual e o transe da catarse passou, estava com os pensamentos vazios. Com os olhos correndo pelo restaurante, honrei o ditado “cabeça vazia, oficina do diabo”. Meu deus, aquele restaurante estava imundo!Será que as pessoas não percebiam? Não, elas estavam entregues, de corpo e alma, ao pecado da gula.
Desta vez, não foram frangos, mas esponjas, pias e panos de prato dignos de um banho, que dançavam diante dos meus olhos. As doenças características da ingestão de alimentos contaminados ou pior, as mortes cada vez mais freqüentes, ocorridas pelo mesmo motivo, me fizeram correr à livraria em busca de ajuda.
Foi Roberto Martins Figueredo, com “As armadilhas de uma cozinha”, que me salvou do desespero. Contaminada pela ansiedade, corri para casa. Na cozinha, lavei, limpei, arrumei os alimentos, conferi a refrigeração, o armazenamento e todas as outras condições de conservação dos alimentos, sempre guiada pelo livro comprado.
Quando terminei, estava exausta e com fome. Isso mesmo, com fome!Foi aí que o ciclo voltou ao início: novamente via frangos , farofas, feijões e outros alimentos voando pela cozinha e me fazendo, novamente, delirar.
Não havia saída: abandonei o meu Roberto e a sua higiene e comi...Simplesmente comi.

2 Comentários:

Às 1:12 PM , Anonymous Anônimo disse...

eu pensei q era um homem o.O

soh no meio que fiquei sabendo que era uma mulher... mas parece que eh um homem ^^

massa xDD

:***

escreve de novo logo viu?

 
Às 6:33 AM , Blogger Unknown disse...

o texto ta excelente... adorei, mt bem escrito...
bjos

 

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